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quinta-feira, 10 de abril de 2014

Dia 31. Uma onda atrás da outra


Domingo, 29 de setembro de 2013.
Santa Rita do Sapucaí/MG/Brasil a Belo Horizonte/MG/Brasil (415 km).

Por fim, o reencontro com a família em casa. As reflexões no fim da viagem reafirmaram a certeza de um grande aprendizado... Este é o relato de mais um dia na Expedição América do Sul, uma viagem de moto que fiz acompanhado do primo Pedro passando por alguns países da América do Sul durante o mês de setembro de 2013. Uma viagem extraordinária em que foram vivenciadas muitas emoções ao longo do trajeto. Passamos calor e frio, tivemos alegrias e dificuldades, momentos de tranquilidade e apreensão. Continue lendo para acompanhar a viagem.


Trajeto do dia:


Trajeto detalhado:


Reta de chegada

Estando tranquilo com relação ao horário, acordei pelas 9h. A tia Nazira já não estava em casa, pois, tinha uma viagem programada para esse dia e já havia saído. Então, tomei café da manhã sozinho. Depois, fui assistir um pouco de televisão e esperar até que o Pedro levantasse.

Precisava copiar os arquivos de foto e vídeo que ele havia registrado na viagem, a fim de poder escrever esses relatos com informações e ilustrações mais completas. Eram muitos e já esperava sair tarde nesse dia, muito provavelmente, somente depois do almoço.


Daí a pouco, o Pedro se levanta e, consequentemente, programei a cópia dos arquivos. Logo no início do procedimento a barra de progresso da tarefa já indicava que o procedimento demoraria. Pelas estimativas, não conseguiria sair antes das 15h. Bem, paciência! Deveria ter deixado copiando na noite anterior.

Depois de uma manhã calma, almocei com parentes. Ficamos de conversa fiada até 14h30 e depois voltei para a casa do Pedro a fim de arrumar minha bagagem para verificar se os arquivos já tinham sido copiados e, enfim, percorrer os últimos 400 km de viagem.


"Deixa comigo, eu sei o que estou fazendo!"

Em tempo, lá pelas 15h30, chegara a hora de ir embora. Montei tudo na moto, abri os portões e... “homem ao mar”. Com a moto estando mais pesada eu deveria ter subido nela para retirá-la da garagem. Havia uma leve rampa descendo até o passeio, com um pequeno canteiro gramado no meio, que resolvi descer apoiando a moto apenas com o quadril. Dessa maneira, em um determinado ponto, não percebi que a roda traseira avançara para o vão do canteiro central e, então, a moto inclinou para o lado contrário ao que eu estava. Acabei me desequilibrando e, sem mais o que fazer, fui obrigado a deixar tombar a moto. Com a moto estando mais pesada, deveria ter subido nela para manobrá-la melhor e retirá-la com segurança da garagem, mas, essa foi uma daquelas típicas situações em que o cara fica com preguiça de fazer a coisa certa e diz:

“Deixa comigo, eu sei o que estou fazendo!”

(Se pesquisarem na internet, muito provavelmente, encontrarão um texto divertido com algumas expressões selecionadas e essa é uma das frases presentes e mais frequentemente ditas antes de alguma besta morrer – rsrsrs). Podem caçoar sem dó nem piedade alguma. Coisa de principiante mesmo.

Tudo bem! Com a moto já de pé novamente e estacionada na rua, cumprimentei o  Pedro e me despedi. Ótimo! Agora vai!. Coloquei a chave na ignição, girei-a no sentido horário até o ponto correto para ligar e, então, apertei o botão de partida elétrica. Excelente! A moto ligou, fui embora e todos viveram felizes para sempre? NÃO. A moto não ligou.

Fiquei chateado e frustrado. Morrer na praia agora, no último dia das férias e após tudo o pelo que passamos? Consequentemente, imaginei que pudesse ser algum problema com a bateria. Por consequência, desmontei a bagagem que estava em cima do banco e o removi. Quando abri a tampa de proteção da bateria, BINGO! Um dos cabos do sistema elétrico estava solto e desencaixado da bateria. E os poucos habitantes daquela cidadezinha de interior, no momento da sesta de uma tarde de domingo, foram interpelados por um bem audível p...ta m...rda.

Logo raciocinei como aquele fio havia se soltado. Em momento algum na viagem eu havia tocado ali, a não ser aquele soldador, lá na cidade de Chivay/PE, que tinha desligado os fios para evitar curto enquanto soldava um novo parafuso no meu afastador de alforges (leia o relato do Dia 19 – Serviço de porco e conversa fiada para saber/lembrar o que aconteceu). Tive certeza de que, ao reconectar os cabos, ele não tinha instalado os parafusos de forma adequada. Ainda comentei com o Pedro:

“Nossa!” E nós atravessamos aquele Paso Jama (na fronteira do Chile com a Argentina) com a moto nessas condições. E se tivesse dado problema lá? Demos sorte.

Recobrando a calma, instalei corretamente a ponta do cabo solto, da maneira como deveria ter sido feita antes e, assim, testei o botão de partida novamente. Que beleza! Motor ligado e tudo funcionando. Muito bom! Agora sim era hora de partir. Recoloquei o banco, a bagagem, engatei a primeira marcha, acelerei a moto e saí em buzinaço... de um veículo só.

Sob o céu nublado dei uma volta na praça central. Tenho esse hábito como costume, de sempre contornar a praça ao chegar ou sair de viagem, lá em Santa Rita do Sapucaí/MG. Já na estrada, em meia hora alcancei o trevo de acesso à BR-381.





A partir dali era só largar por conta da moto que ela chegaria em casa sozinha, por si mesma. E assim aconteceu até estacioná-la em casa, às 22h.

Ainda no portão do quintal fui recebido pelos meus pais, satisfeitos pelo retorno em segurança. Subindo as escadas, cheguei em casa, definitivamente, e cumprimentei meu irmão e irmã. Todos estavam ansiosos por ver as fotos e vídeos registrados e saber sobre os acontecimentos. Então, dali em diante, a história que se iniciou como um belo passeio, e terminou como uma empolgante aventura, começou a ser contada.



Foi possível retroceder os pensamentos e fazer uma pequena retrospectiva, desde a época em que decidimos realizar essa viagem, e refletir um pouco a respeito e acerca das circunstâncias e atitudes que a fizeram se concretizar. No decorrer de alguns minutos, a recordação de vários meses de preparação e, por conseguinte, a lembrança dos dias de execução da viagem - até aquele momento - passaram pela minha mente... como um filme que se assiste na própria consciência, e foram traduzidas por mim para a tela da imaginação dos que ouviam. Venha comigo:


...Aprender tanto quanto a vida permitir

Há algum tempo, quando decidi enfrentar e participar dessa empreitada, muitas emoções e sentimentos se manifestaram: euforia, apreensão, medo, confiança, empolgação, dúvida.

Nos primeiros dias, mesmo antes de começar a planejar a viagem, predominaram o medo e a apreensão. A falta de conhecimento e experiência sobre grandes viagens de moto era enorme. Não sabia como iríamos concluir uma expedição desse tamanho. Não poderia ser, simplesmente, pegar a moto e ir "tocando". Tínhamos prazo e recursos limitados. Tudo deveria ser minimamente pensado e calculado. Tudo bem que já havia realizado um pequeno passeio, de menor porte, para o sul do Brasil (passando por Foz do Iguaçu, parque do Beto Carrero e Curitiba), mas, do quintal de casa a uma jornada internacional, de milhares de km e passando por diversos países, seria outra estória.

Ousadia demais? Uma grande pretensão? Assunto apenas para especialistas? Entre um e outro desses pensamentos que me ocorriam, naquela época, cavucara minha cachola tentando encontrar uma rota de fuga e, assim, pensei que se outras pessoas, outrora, tiveram a mesma intenção que a nossa e foram muito bem sucedidas em concretizar seus planos, e por diversas vezes ainda em condições bastante mais precárias, então, por que razão não poderíamos fazê-lo também.

No entanto, como chuva torrencial de verão, muitos receios e preocupações ainda batiam à porta da consciência. Qual seria o percurso? Com que motos? Quais equipamentos instalar? O que levar de bagagem? Quanto custaria? E a documentação? Estava preparado fisicamente? As pessoas serão cordiais? Será que teremos problemas com bandidos ou com as próprias motocicletas?

Num determinado momento pensei que se deixasse por conta dos medos, que sempre tendem a nos engaiolar em nossa zona de conforto; se permitisse que as tantas dúvidas surgidas me desanimassem e me fizessem resistir ao confronto com as muitas situações desconhecidas que uma viagem dessas proporcionaria; se me conformasse com o que já conquistara até o momento, sem arriscar avançar a altura do sarrafo alguns centímetros mais, como o fazem os atletas saltadores, então, dificilmente seria possível tornar real tal empreendimento ou qualquer outro de igual tamanho.

Assim, subitamente, como num “chacoalhão” instantâneo que de tempos em tempos a vida faz se abater sobre nós, em seguida, me percebi imaginando sobre o que pensaria (ou lamentaria) lá no futuro, ainda longe, nos meus 130 anos. Seria eu um velho manco e cambaleante a lamentar as oportunidades conscientemente deixadas de lado, quando mais jovem e em condições físicas melhores, e ainda angustiado pela impossibilidade de fazer voltar o tempo para dar outro rumo, mais feliz, à história de sua vida? Ou, sim, um velhote descadeirado e descoordenado, porém, munido até os dentes do contentamento de poder lembrar, em paz de espírito, das conquistas que lhe valeram grandes alegrias?

Tínhamos pela frente a oportunidade de uma grande aventura, uma enorme conquista, no mínimo, um belíssimo passeio. Medo? Todos temos, em maior ou menor grau. Das outras pessoas não sei, se precisar ajudo no que puder, porém, no que me diz respeito, ao me perguntarem sobre algum receio do que possa acontecer, eu digo: “Ora, medo? Tenho, sem dúvida, mas, vou assim mesmo!”

Consequentemente, uma vez estando decidido por realizar a viagem, à medida que o planejamento avançava, as dúvidas e o desconhecimento inicial foram cedendo lugar à certeza do que fazer. A consulta a diversos relatos de outros motociclistas, que descreviam facilidades e dificuldades enfrentadas em suas viagens, nos havia esclarecido por demais. Aprendemos sobre que equipamentos seriam mais adequados para as nossas condições; a distinguir o que seria mais necessário levar como bagagem; tomamos ciência das situações de maior risco pelas quais poderíamos passar; identificamos os custos e a documentação obrigatória.

Enfim, o mais essencial foi que, com conhecimento, uma grande confiança se tornou presente. A certeza de saber que tudo fora muito bem estudado e planejado nos confortava, e qualquer inconveniente que tivéssemos durante a execução do plano de viagem seria percebido e aceitado apenas como uma infeliz fatalidade, um infortúnio de percurso. Dessa forma, com espírito aventureiro e bastante empolgados, colocamos o pé na estrada e seguimos rumo à realização dessa aventura sabendo que a mente deveria estar aberta para todo e qualquer tipo de acontecimento.

Passamos por inúmeros tipos de paisagens; vimos lugares com muita vegetação e outros com quase nenhuma, e até mesmo desérticos; transpusemos montanhas altíssimas e percorremos retas infindáveis; margeamos o oceano pacífico e tangenciamos uma variedade de lagos, alguns, por vezes, até congelados; andamos no asfalto, na terra, na areia e no barro; fomos rápido e devagar, nos desequilibramos e, certa feita, até tombamos, mas levantamos; acertamos muitos caminhos, porém, nos confundimos em outros; estivemos atrasados ali e adiantados acolá; sentimos frio intenso e congelante e, por outro lado, muito calor, até sufocante por assim dizer; enfrentamos diversos tipos de condições climáticas: chuva, sol, neblina, neve e, ainda, tempestades de areia; surpreendemo-nos positivamente e, de outra forma, nos frustramos também; bem-vindos, nos saudavam alguns, outros, no entanto, rangiam os dentes e até rosnavam; ficamos perdidos e, depois, nos reencontramos; peças quebraram e foram consertadas; tivemos muitos momentos de empolgação, outros, nem tanto, e até com algum estresse, confesso...

Em síntese, fomos expostos a um cataclismo de eventos naturais e interações sociais dos quais não tínhamos controle ou influência alguma e cujo propósito, penso assim, além de nos permitir a contemplação do mundo, nos fez passar por uma grande lição de flexibilidade mental que devemos ter para com os eventos imprevisíveis da vida. Ou seja, possibilitou-nos entender que por mais que tentemos controlar nosso próprio mundo, muitas vezes, até expandindo tal feito para o que está à nossa volta, isso será apenas um ínfimo grão de areia frente ao controle e influência que o mundo exerce, contrariamente, sobre nós.

Pude perceber-me como um canoísta em meio ao mar revolto, numa competição consigo mesmo, onde se larga de terra firme, em linha reta, no sentido mar adentro; com várias ondas, umas maiores e outras nem tanto, batendo de frente e nas costas ou dos lados, fazendo o esportista chacoalhar em todas as direções. Para cima, para baixo, de um lado a outro. Nessa competição não há tempo cronometrado para se chegar ao destino final. O objetivo é o de apenas competir e participar, seguindo o rumo estipulado e tentando superar o vai e vem das ondas; e, com algum esforço de reflexão, se empenhar para entender que uma mente rígida, ou turrona, poderá até transpor os altos e baixos das ondas no caminho – furando-as, se debatendo, remando contra a correnteza do momento - porém, com muito mais dificuldade e sofrimento do que se tivesse compreendido melhor a se comportar de forma mais resiliente.

Assim, vencida mais uma onda, resta-nos por alguns poucos instantes relaxar e descansar... e tomar fôlego até que a próxima se apresente.

Agradecimentos àqueles que se empenharam na leitura assídua desse relato...

Sinceras desculpas àqueles que se chatearam por alguma palavra ou expressão mal colocada, desapercebidamente...

E aos que ainda não leram, e algum dia venham fazê-lo, espero que façam bom proveito do que dessa experiência lhes puder ser útil.

Abraço!
Gilberto Lima Kallás




SOBRE O AUTOR

8 comentários:

  1. Gilberto, parabéns pelo blog! As viagens ampliam nossos horizontes, nos fazem ver o quanto esse mundo é grande e diversificado, quantas culturas existem, quantas pessoas diferentes, o quanto a natureza é linda e perfeita! Com essa viagem, com certeza, você saiu do seu confortável "mundinho" e voltou diferente, a gente nunca volta a mesma pessoa! Adorei ter lido todos os seus relatos e confesso que "viajei" um pouco também de carona na sua moto, rsrs! Ah, se você cansar dessa vida de analista de sistemas já tem uma nova profissão: escritor! Bjos!

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    1. Lívia,
      obrigado pelo estímulo. Fico contente que tenha gostado. É um incentivo para continuar. Quanto à nova profissão de escritor, nem tanto, são só uns rabiscos! (rsrs)
      Valeu!

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  2. Boa Gilberto !!! Fiquei ansioso esperando a cada nova postagem. Me senti parte da aventura tb!!! Claro, da melhor forma, sem os riscos!!!! kkkkkkk

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  3. Opa, Guilherme.

    Obrigado pela consideração! Fico contente que tenha gostado de acompanhar. Riscos? Tem perigo não. É só planejar com calma. Quando é que você vai comprar a sua moto? Você vai na próxima, não é?

    Vem! Pode pular na piscina. A água está boa. kkkk

    Valeu! Abraço!
    Gilberto.

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  4. Nossa que aventura muito bem detalhada parece ate um livro. Me passe um meio de contato. Obrigado.

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    1. Olá!
      Fico satisfeito que tenha gostado. Tentei colocar o máximo de informações que consegui registrar no caminho e relembrar da viagem, primeiramente, para contar a história de forma completa e, também, para ajudar quem pretender planejar algo parecido.

      Você pode entrar em contato pelo e-mail kallaswebmail@gmail.com

      Um abraço!
      Gilberto.

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  5. Gilberto, por um acaso encontrei seu relatos...e por coincidência, estou planejando quase que a mesma viajem (não vou passar pelo Chile e Argentina, vai ficar pra uma próxima!). Fiquei impressionado com a riqueza de detalhes e de informações úteis que colocou, com certeza vou aproveitar! Fiquei me imaginando nas suas situações e senti uma felicidade enorme, como se fosse eu, visitando aqueles lugares...conhecendo pessoas...etc. Quem sabe não poderemos conversar melhor para mais dicas e experiências...Parabéns pra vc e o Pedro. Grande abraço. Renato!

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    1. Olá Renato!
      Que bom que gostou. A intenção do site é essa: relatar as minhas experiências com algum detalhamento e, quem sabe, motivar outros a fazerem o mesmo.

      Qualquer coisa, entre em contacto (kallaswebmail@gmail.com)! No que puder, ajudo!

      Um abraço!

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