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quarta-feira, 26 de março de 2014

Dia 24. Tempestades de areia, frio, acidentes e gases nocivos


Domingo, 22 de setembro de 2013.
De San Pedro de Atacama/CL a San Salvador de Jujuy/AR (490 km).

Um dia truculento no Paso Jama, fronteira Chile-Argentina: frio, ventos fortes, tempestades de areia, acidentes e muitas curvas... Este é o relato de mais um dia na Expedição América do Sul, uma viagem de moto que fiz acompanhado do primo Pedro passando por alguns países da América do Sul durante o mês de setembro de 2013. Uma viagem extraordinária em que foram vivenciadas muitas emoções ao longo do trajeto. Passamos calor e frio, tivemos alegrias e dificuldades, momentos de tranquilidade e apreensão. Continue lendo para acompanhar a viagem.


Trajeto do dia


Trajeto detalhado


Preparativos para a partida

Após acordar, relembrando dos belos passeios realizados em San Pedro, o dia começa com uma caminhada de meia quadra até o restaurante do hotel para tomarmos um reforçado café da manhã. Inicialmente, o roteiro planejado reservara dois dias completos de passeio pelo deserto do Atacama, nas redondezas de San Pedro, entretanto, haja vista as circunstâncias pelas quais passamos e os problemas ocorridos no percurso, até então, fomos obrigados a desfrutar apenas um dia de visita.


Nesse ponto já havíamos gastado 2 dos 3 dias que deixáramos de reserva para inconvenientes e situações não previstas. Ou seja, tínhamos programado a viagem de tal maneira que pudéssemos atrasar a chegada em até 3 dias.

Após tomarmos café, era hora de arrumar e montar a bagagem na moto, Assim, no momento em que fui lubrificar a corrente, notei que ela estava um pouco folgada e deveria ser ajustada. Isso nos atrasou um pouco a saída.



Lamentação e admiração

Enfim, com tudo pronto, demos a partida nas motos e iniciamos o trajeto do dia. Nos relatos de viagem de outros motociclistas li que os trâmites de saída do Chile foram realizados na própria cidade de San Pedro de Atacama. Consequentemente, ao chegarmos na saída da cidade, conversei com os oficiais responsáveis sobre onde deveriam ser realizados os procedimentos para deixarmos o país e eles nos informaram, enfaticamente, que passaram a ser feitos na fronteira com a Argentina, em Paso Jama, a 160 km de San Pedro de Atacama.






Então, seguimos viagem. Nesses primeiros instantes, confesso que me percebi com uma forte sensação de não querer partir. Havia tantas outras paisagens para ver e lugares a visitar naquela região que o simples fato de me afastar, automaticamente, já alimentava a esperança de voltar, algum dia, para um tour bem mais completo pelas belezas do lugar.





Porém o fato de estarmos na estrada não nos impediu de vermos paisagens muito belas ao longo do caminho, pois, avistamos o grande vulcão Licancabur, gelo e neve espalhados ao redor da estrada, algumas lagoas muito bonitas (algumas até com a superfície congelada).









Nesse momento, já fazia bastante frio porque havíamos deixado os 2300 metros de altitude, em San Pedro de Atacama, e já estávamos quase nos 4600. Em um determinado instante, o Pedro precisou parar para trocar suas luvas por outro par que pudesse resistir melhor à baixa temperatura que enfrentávamos. Ainda mais à frente parou novamente para, literalmente, abraçar o escapamento da moto, a fim de esquentar as mãos e evitar o congelamento.










Se cochilar... o cachimbo tomba




O trajeto não estava fácil. Também, recordo-me que, à medida que a distância era percorrida, a ventania que já era muito forte se tornava cada vez pior. Já havíamos passado por um caminhão tombado na pista de sentido contrário ao nosso quando, mais à frente, para nossa surpresa e profundo desagrado, avistamos outra carreta virada.


Foto cedida pelo Pedro

Paramos no final da fila e logo pensei: 

"Será que teremos que esperar aqui todo o tempo necessário para a remoção do veículo? Nesse frio e ventania, vai ser difícil a condição da espera..." 

Então, gritei para o Pedro e disse que iria me aproximar dos ficais que bloqueavam a passagem, a fim de saber se poderíamos passar com as motos pela beirada da estrada. Logo, um dos ficais me frustrou a intenção de contornar o caminhão dizendo que o perigo de explosão era iminente, haja vista a facilidade de combustão da carga transportada. Contudo, imediatamente, rebateu minha indagação apontando para uma pequena estrada de terra que seguia por um ponto um pouco mais acima da rodovia e afirmou que, em alguns poucos metros, ela nos levaria de volta à estrada principal.

Logo reconheci a bifurcação para a estrada de terra ao apontar o olhar para onde o fiscal indicava e, numa sensação de alívio, agradeci pelas informações e fui buscar o Pedro.


Foto cedida pelo Pedro

Assim que entramos no desvio indicado, observei que guiar a moto naquelas circunstâncias seria uma tarefa desafiadora, pois, a estrada era tão cheia de poeira e terra acumulada que fazia a roda dianteira deslizar. Posso dizer, sem dúvida alguma, que as condições eram piores que aquelas encontradas entre Saipina e Aiquile, na Bolívia (Ruta 5), quando decidimos abortar a visita ao Salar de Uyuni (leia mais sobre o relato do Dia 07 – Uma lição aprendida).


Foto cedida pelo Pedro

Foto cedida pelo Pedro

Para nossa alegria, após alguns controláveis desequilíbrios e escorregões, rapidamente, chegamos à outra extremidade da rodovia principal e a viagem continuou pelo seu trajeto original até o ponto de controle fronteiriço.


Foto cedida pelo Pedro

Foto cedida pelo Pedro


Foto cedida pelo Pedro


Fonte: www.panoramio.com/photo/49964616

Em busca de um trocado argentino

Ao chegarmos na aduana Chile/Argentina, tudo foi simples demais... Num balcão de atendimento, da esquerda para a direita, passamos na aduana e migração chilena e devolvemos os documentos de identificação da moto e dados pessoais, respectivamente, que havíamos recebido na fronteira do Peru com o Chile. Em seguida, registramos nossa entrada na Argentina e, mais uma vez, assim como em todas as ocasiões anteriores, recebemos documentos para serem entregues na saída do país. Um oficial nos acompanhou para averiguar as motos e, consequentemente, fomos liberados para prosseguir.

Apesar de os trâmites aduaneiros terem sido realizados a passos rápidos e não ter havido nenhuma dificuldade, nos deparamos com outro problema: 

"Com que dinheiro nós vamos colocar gasolina?" Perguntei ao Pedro. 

Ele ainda terminava de guardar os documentos no baú da sua moto quando olhou para mim como quem diz algo do tipo: 

"Eu sei lá, se vira malandro!"

Daí, disse ao Pedro para que esperasse um pouco, pois, eu iria procurar alguém que pudesse me ajudar um pouco mais do que a risadinha que ele havia soltado. Assim, fui até uma pequena sala, localizada entre os dois prédios principais e onde havia visto entrar um funcionário, a fim de obter informações sobre onde poderíamos fazer câmbio. Ao chegar perto da porta vi pela janela que, lá dentro, também tinha um cachorro enorme (desses da raça São Bernardo, gigantes), que me desencorajou completamente qualquer iniciativa de chamar alguém daquela sala, pois, ele poderia facilmente colocar a porta por terra e me comer vivo e por inteiro (sem sacanagem).


Fonte: www.panoramio.com/photo/49964728

Porém, para meu alívio, passava por ali outro funcionário que então escolhi abordar. Expliquei nossa situação e ele, muito solicitamente, me pediu algum dinheiro, pois, tentaria angariar fundos para essa campanha de ajuda aos motociclistas “desmoedados”.

Ele voltou e, opa! Sucesso! Pelo menos, já teríamos condições para um tanque de gasolina para cada moto e um pão com manteiga, rachado ao meio, para nós dois. Alguns poucos metros à frente paramos em um posto de gasolina com aparência de ter sido construído recentemente.



Veio bem a calhar! Ali havia uma lanchonete onde entramos, às pressas, porta adentro. Não preciso nem esperar para confessar ter sido esse um dos dias mais complicados e difíceis da viagem estando atrás, apenas, do arrepiante e desesperador início de noite pelo qual passamos na visita à estrada da morte, ao voltarmos de Coroico para a cidade de La Paz, na Bolívia. (leia mais sobre o relato do Dia 10 - O inferno gelado na estrada da morte).

Após um lanche rápido, perguntamos ao funcionário se seria possível fazer câmbio no próprio posto e, para nossa sorte, ou azar, ele nos respondeu que sim, porém, ao custo de a taxa de conversão ser um pouco desvantajosa para “los gringos”, obviamente. Não tínhamos escolha e, portanto, acabamos realizando a troca de pesos chilenos por pesos argentinos ali mesmo.




No momento em que saíamos uma mulher, coincidentemente de naturalidade brasileira, me abordou e perguntou se iríamos descer a cordilheira no sentido para o interior da Argentina. Respondi que sim e, então, ela nos recomendou que tomássemos cuidado por conta de haver muitas curvas no caminho e de os ventos estarem, como já sabíamos, muito fortes. Além disso, ela adicionou ter ocorrido um acidente grave com um motociclista conterrâneo, levando-o a ser hospitalizado. De volta à estrada, seguimos em frente, rumo a San Salvador de Jujuy, nosso destino estimado para o dia.

O bombardeio

Enquanto percorríamos uma enorme planície, no alto da cordilheira dos Andes, fomos obrigados, em determinadas ocasiões, a diminuir radicalmente nossa velocidade até ser possível conferir no medidor a arrastada velocidade de 40 km/h, dada a persistência da forte ventania. Ainda, num dos raros momentos nos quais a trajetória da estrada nos posicionava a favor da corrente de ar, cuidávamos de acelerar um pouco a fim de que se fizesse render um tanto mais a viagem... o que também era feito com receio, pois, temia que alguma rajada desgovernada daquele vento forte se abatesse sobre nós, de repente, provocando uma queda ou levando a uma situação de maior risco de acidente.





Continuando nosso caminho, alguns quilômetros depois, já mais adaptado com aquelas condições adversas e acreditando que a situação estava sob controle, avistei ao longe que a ação dos ventos levantava poeira e areia do chão e formava, literalmente, uma tempestade de areia que cortava o asfalto de um lado para o outro. Não houve outra alternativa a não ser a de atravessá-la. E assim o fizemos. À medida que passava pela tempestade, sentia aquele bombardeio de partículas de areia colidirem contra meu corpo e o encontro delas com o capacete mais parecia como uma chuva de granizo. Felizmente, essa tormenta não durou muito, pois, alguns metros depois, nos vimos fora dela e pudemos continuar sem maior estresse.





Gases nocivos

Em um dado instante, vencidas muitas retas e curvas ao longo do percurso, decidimos que era hora de abastecer as motos e, então, paramos no primeiro posto de gasolina que encontramos, em Susques/AR.





Em verdade, melhor dizer que aquele lugar poderia ser definido mais como um vilarejo do que como uma cidade. O local não tinha estrutura alguma. Havia apenas uma casinha construída com tijolo de barro avermelhado que se confundia com a paisagem ao redor e que parecia ser o banheiro. 

Após ter confirmado com o funcionário que ali era o banheiro, fui até lá e o que vi foi a visão do inferno. A minha grande sorte foi que, quando abri a porta, nenhum raio de luz do sol incidiu diretamente lá dentro, pois, naquela hora do dia o sol estava em uma posição em que isso não seria possível. Caso contrário, acredito que não estaria aqui para escrever esse relato: afirmo, sem sombra de dúvida, que não seria necessário nem mesmo uma ínfima faísca, ou seja, bastaria apenas o calor de um feixe de luz do sol, que incidisse diretamente ali dentro, para causar uma grande explosão e fazer tudo ir pelos ares. 

Garanto que os testes de bombas nucleares pareceriam estalinhos frente à catástrofe que se abateria sobre a região; o noroeste da Argentina seria completamente devastado. Apesar de o ter alertado, o Pedro também ousou enfrentar o perigo... e não me questionem sobre se conseguiu ou não completar a odisseia, pois, médicos especialistas afirmam que fortes traumas podem levar à perda parcial de memória e eu, sinceramente, não me recordo do que aconteceu com ele nos instantes seguintes.

Algumas distrações e um acidente quase fatal

Tudo bem! Tanque cheio e pé na estrada novamente! Um pouco mais adiante, passamos por um motociclista parado na beira da estrada. Paramos para verificar se estava com problemas ou se precisava de alguma ajuda e foi então que descobrimos que ele estava junto com o motociclista que havia se acidentado algumas horas antes e sobre o qual se referiu a mulher que me abordara no posto de gasolina, perto da fronteira com o Chile. 

Ele nos contou que o companheiro tinha dormido em cima da moto e que, consequentemente, não conseguiu fazer uma curva, passando direto e terminando por cair de uma altura considerável. Disse que a moto dificilmente poderia ser recuperada e que o amigo se machucou um pouco na queda, mas, que sobreviveria. Disso, já adianto que ele passou a nos acompanhar até a cidade de San Salvador de Jujuy/AR, para onde seu amigo havia sido levado.

Alguns km depois, alcançamos o salar Salinas Grandes, um grande deserto de sal cortado pela estrada, de uma extremidade a outra.






Rodando um tanto mais, começamos a descer definitivamente a cordilheira e, assim, chegamos à Cuesta Del Lipan, um trecho de serra com paisagem muito bonita, entre Susques/AR e Purmamarca/AR, que nos faria passar dos 4000 aos 2300 metros em poucos km.


Fonte: www.motoronline.com.br














No alto da serra estava bastante frio, obviamente, devido à altitude em que estávamos e, enquanto descíamos, pensei que a temperatura logo fosse se tornar mais amena, contudo, o mais engraçado dessa situação foi que quanto mais para baixo nos deslocávamos mais frio ficava. O jeito mesmo foi suportar.

Quase lá

Assim que passamos por Purmamarca/AR, alcançamos um céu bastante nublado. Até pensei na possibilidade de colocar a roupa de chuva, porém, como já estava escurecendo e não faltava muito para chegarmos a San Salvador de Jujuy/AR, então, preferi seguir em frente sem mais paradas.






Chegamos ao nosso destino ainda antes de escurecer. A cidade é bem grande e ficamos bastante perdidos porque, antes de procurarmos um hotel, ajudamos o motociclista que encontramos no caminho a achar o hospital para onde seu amigo acidentado havia sido levado. Para isso, contamos com a ajuda de um motociclista local que prestou o grande favor de nos levar até o hospital. Confesso que sem ele teríamos demorado muito mais. 

Despedimo-nos do companheiro e, após mais algum tempo de procura, por volta das 20h, registramos nossa entrada em um hotel, no centro da cidade, para passarmos a noite. Levamos a bagagem para o quarto e, assim que saímos para comer algo, por coincidência, “demos de cara” com o motociclista que havia nos acompanhado por boa parte do trajeto desse dia, pois, ele ficaria no mesmo hotel que nosso. Encerramos o dia comendo uma bela pizza.

Quarto do hotel em San Salvador de Jujuy/AR:



O padrão de tomada elétrica que encontramos foi como esse:



Hotel: $130 pesos argentinos (US$22,57)
Estacionamento para as motos: $30 pesos argentinos (US$5,21)


Dicas de vigem

  • Não sei como é o tempo em outras épocas do ano, porém, para quem vai atravessar o Passo de Jama (fronteira Argentina/Chile), em setembro, aconselho se agasalhar bem, pois, no percurso entre San Pedro de Atacama/CH e San Salvador de Jujuy/AR faz muito frio.
  • Tome cuidado com os ventos fortíssimos que sopram no alto da cordilheira, entre San Pedro de Atacama/CH e San Salvador de Jujuy/AR. Em muitos pontos do trajeto ele nos obriga a diminuir bastante a velocidade a fim de não perdermos o controle sobre a moto. ATENÇÃO: Também aconselho manter uma velocidade de cruzeiro mais baixa e tomar o máximo de cuidado ao acelerar a moto naqueles momentos em que o vento der uma trégua, pois, apesar da calmaria aparente, uma rajada repentina daqueles ventos fortes poderá se abater sobre um motociclista desprevenido levando-o a uma queda.
  • Em Passo de Jama, no lado Argentino, bem perto do controle migratório, há um posto de abastecimento bem novo e com boa estrutura para os motoristas. Eles também fazem câmbio de moeda chilena e argentina.
  • No lado argentino, chegando em Purmamarca/AR, em direção para San Salvador de Jujuy, não se iluda pelo fato de estar descendo a cordilheira e começar a esquentar um pouco, pois, uma percepção interessante e bastante desconfortável que tivemos foi que pouco depois de passarmos por essa cidade esfriou tanto quanto no momento em que estávamos no alto da cordilheira.
  • Tanto para quem cruza a fronteira em direção ao Chile, quanto para quem segue no sentido contrário, para a Argentina, recomendo não cruzar a cordilheira se estiver anoitecendo ou ao anoitecer, pois, as condições climáticas são bastante inóspitas e imprevisíveis podendo deixar o motociclista em condições muito complicadas, principalmente, se houver algum problema com a moto no meio do caminho.
  • Na Argentina, não tivemos que pagar pedágio em nenhuma praça de pedágio por onde passamos.



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